Um olhar mais atento ao processo de individuação de Carl Jung: um mapa da totalidade psíquica

Um olhar mais atento ao processo de individuação de Carl Jung: um mapa da totalidade psíquica

Por Scott Jeffrey

Traduzido por Deborah Jean Worthington, de https://scottjeffrey.com/individuation-process/

Visão geral:

Este guia explora o processo de individuação conforme descrito por Carl Jung e pela psicologia Junguiana.

Sigmund Freud foi pioneiro no campo da psicologia. Ele nomeou seu novo campo de psicanálise, como o estudo de pacientes psicóticos e doentes mentais.

No início da carreira de Carl Jung, Freud era como uma figura paterna para ele. Freud estava preparando o jovem Jung para ser seu sucessor. Mas os dois homens não se entenderam.

Jung sugeriu um nome diferente para seu campo emergente: análise psicológica. Ele viu o papel deles como um analista da mente, alma e espírito humano. Jung viu uma imagem diferente da condição humana que Freud. Freud percebeu que seus pacientes estavam doentes enquanto ele, como analista, não estava.

Jung se relacionava com seus pacientes, percebendo que ele estava em uma condição mental semelhante à de seus pacientes. Jung viu que todos nós estamos fragmentados e divididos e, conscientemente ou não, todos estamos procurando nossas almas.

Começamos relativamente inconscientes (principalmente adormecidos)

Todos nós começamos como parte de um coletivo. À medida que crescemos, nossa família, amigos, escola, religião e cultura moldam nossa personalidade. Os Taoístas chamam essa personalidade de mente adquirida à medida que a adquirimos através de nosso ambiente. No mundo externo, esse ambiente é convencional (como nas regras convencionais ou na sociedade convencional). O código convencional contém diretrizes específicas sobre o que devemos acreditar, o que as coisas significam e como devemos nos comportar.

Esse mundo exterior convencional tem estrutura e ordem. Mas dentro de nós existe um mundo completamente diferente. E esse mundo interior, para a maioria de nós, é tão caótico quanto as ondas do oceano durante uma tempestade.

Tanto Freud como Jung chamaram esse caos indiferenciado de inconsciente. O inconsciente, poderíamos dizer, é tudo dentro de nós que fica fora da nossa consciência – tudo o que não sabemos ou não podemos observar dentro de nós mesmos. Embora desejemos acreditar que estamos conscientes da maioria de nossos pensamentos, sentimentos, ações e comportamento, todas as evidências sugerem o contrário.

Na verdade, somos principalmente seres inconscientes. No começo, estamos principalmente dormindo. A sociedade condiciona nossa consciência. E assim permanecemos inconscientes do nosso verdadeiro eu pelo menos na primeira metade da vida.

Processo de Individuação na Psicologia Junguiana

Jung acreditava que cada pessoa é única e tem um destino distinto. A maior parte da psicologia Junguiana – também chamada psicologia analítica ou psicologia profunda – se concentra no que Jung mais tarde chamou de processo de individuação. O processo de individuação era a maneira de Jung explicar o caminho para o desenvolvimento pessoal ideal para um indivíduo. O analista Junguiano Anthony Stevens escreve em Private Myths:

A individuação é o processo, simples ou complexo, conforme o caso, pelo qual todo organismo vivo se torna o que estava destinado a se tornar desde o início.

O objetivo deste processo de individuação é aumentar a consciência do indivíduo.

Com maior consciência, os indivíduos podem curar as divisões em sua mente entre o que é consciente e o inconsciente, trazendo-os à totalidade em sua psique. Na primeira metade da vida, avançamos pelo mundo, fazendo o possível para desenvolver egos saudáveis. A primeira parte da vida é principalmente externa, pois procuramos atender às nossas necessidades básicas. Do ponto de vista de Jung, a segunda parte da vida pode representar uma virada interior para uma parte mais profunda de nós mesmos. Essa virada interna inicia o processo de individuação.

https://youtu.be/k4ZNp9jKsps

A tensão dos opostos

Antes de iniciar o processo de individuação, temos certeza. Ao longo de nosso desenvolvimento, formamos uma sólida identidade própria. Achamos que sabemos quem somos. Mas essa auto identidade é sempre unilateral.

É uma ilusão, ou Maya, como os budistas chamam. Por estarmos inconscientes, não sentimos as tensões e oposições inerentes entre o eu consciente que conhecemos e as partes inconscientes de nós mesmos. Você provavelmente conhece o símbolo taoísta de yin e yang. Este símbolo antigo representa o equilíbrio ou harmonia dos opostos.

Yang é o lado ensolarado, enquanto yin representa o lado sombrio Em vez de ver o yin e o yang como forças opostas, os chineses os veem como forças complementares que interagem dentro de um todo maior (representado pelo círculo que as envolve). Considere como os valores e visões de mundo dos princípios masculino e feminino podem variar. O masculino busca autonomia. O feminino busca comunhão ou relacionamento. Você pode imaginar como seria integrar os princípios masculino e feminino em sua mente, não favorecendo uma perspectiva sobre a outra?

Não é fácil, mas isso faz parte do objetivo do processo de individuação. Jung descobriu que os opostos criam tensão na psique. Se não aprendermos a lidar com essas tensões, negando os opostos, reprimimos ou empurramos a pressão para fora de nossa consciência.

Mas reprimir não elimina os opostos ou a própria tensão. Isso apenas os torna mais destrutivos em nossa psique, fortalecendo nossas sombras. Reprimir a tensão nos torna unilaterais e nos leva a projetar nossas fantasias inconscientes na realidade.

Quando negamos essas tensões internas, reforçamos nossas ilusões e autoengano. Além da tensão entre os princípios masculino e feminino, aqui estão duas outras tensões internas comuns

Instintos e Psique

Um par de opostos “chave” no trabalho de Jung, são instintos e psique. Os instintos são nossas raízes biológicas, nosso corpo. A psique, na concepção de Jung, é a totalidade dos processos mentais que incluem forças conscientes e inconscientes.

Sempre que tentamos favorecer a psique sobre os instintos – mente sobre corpo, espírito sobre natureza – ou vice-versa, nos separamos (dissociamos) de uma parte do que somos.

O bem e o mal

A maioria de nós prefere buscar o “bem”, evitando o “mal”. Queremos perceber Deus e expulsar o diabo. Queremos anjos, não demônios. Jung aponta em Aion que o mal tinha um significado diferente antes do cristianismo.

A ascensão do cristianismo adicionou um tipo de espírito do mal ao princípio do mal que ele não possuía antes. O aumento da diferenciação das reações éticas em linhas em preto e branco muito nítidas não é favorável à vida.

Como o filósofo grego Heráclito disse: “O bem e o mal, são um”.

O caminho da individuação

A individuação é a solução de Jung para nossa tendência à unilateralidade. Nesse processo de se tornar um ser humano completo, integramos todas as partes de nossa personalidade das quais não estamos conscientes no momento. Por que Jung chamou o processo de “individuação”?

O psicólogo Junguiano Robert Johnson explica em Inner Work:

Porque esse processo de se atualizar e de se tornar mais completo também revela uma estrutura individual e especial. Mostra como os traços e possibilidades humanas universais são combinados em cada indivíduo de uma maneira diferente de qualquer outra pessoa.

Jung escreve em Dois ensaios sobre psicologia analítica:

Individuação significa tornar-se “individual” , na medida em que “individualidade” abarca nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, também implica tornar-se o próprio ser. Poderíamos, portanto, traduzir a individuação como “chegar à individualidade” ou “auto realização

Johnson ressalta que a individuação não significa que ficamos isolados da raça humana. Ele escreve:

Uma vez que nos sentimos mais seguros como indivíduos, mais completos dentro de nós mesmos, é natural também procurar as inúmeras maneiras pelas quais parecemos nossos semelhantes … as qualidades humanas essenciais que nos unem na tribo humana.

A medida que nos individualizamos, nos conectamos e nos identificamos com toda a família humana.

Três estágios do processo de individuação

Enquanto o processo de individuação é diferente para cada pessoa, Jung destaca três arquétipos que coincidem com três estágios do desenvolvimento psicológico.

Estágio 1: A Sombra

O arquétipo das sombras representa todos os traços pessoais que ignoramos, negamos ou cortamos de nós mesmos. Os indivíduos primeiro conhecem e integram sua sombra – todas as partes renegadas de si mesmas que alienaram para criar sua personalidade. Em The Portable Jung, Joseph Campbell explica:

O conceito de Jung é que o objetivo da vida de alguém, psicologicamente falando, não deve ser suprimir ou reprimir, mas conhecer o outro lado e, assim, desfrutar e controlar todo o leque de capacidades; ou seja, no sentido pleno, “conhecer a si mesmo”.

Etapa 2: Anima / Animus

A anima é o componente feminino da personalidade de um homem. O animus é o equivalente masculino em uma mulher. Jung via  anima / animus como almas ou espíritos estimulantes dentro de homens e mulheres. Eles são, como diz Robert Johnson, “o companheiro interior ou inspirador da vida”.

Esse arquétipo nos conecta ao inconsciente coletivo impessoal. Para Jung, eles são elementos essenciais na estrutura psíquica de todo homem e mulher. Em Os arquétipos e o inconsciente coletivo, Jung denominou integrar a sombra como a “abra de aprendiz” de tornar-se inteiro enquanto a integração da anima ou animus é a “obra-prima”.

Etapa 3: O Self

O Self é o arquétipo da totalidade e da autotranscedência. Um velho sábio ou uma mulher muitas vezes representa essa imagem universal.

Jung pegou emprestado o conceito de Self da filosofia hindu. Ele descreveu o Self como a “totalidade de toda a psique”, distinguindo-o do ego. O ego representa uma pequena parte de toda essa psique. Pense no Self, como um centro Divino interno desconhecido que exploramos ao longo de nossas vidas.

Tipos Psicológicos

Enquanto a maior parte da indústria de autoajuda oferece soluções “tamanho único”, Jung entendeu as complexidades da psique humana.

Jung diferenciou várias orientações – maneiras pelas quais um indivíduo pode processar informações, tomar decisões e interpretar o mundo.

A combinação especifica num indivíduo, dessas orientações, ilumina seu caminho para a individuação.

Introversão versus extroversão

A maioria das pessoas enfatiza o mundo exterior, os prazeres e as restrições “lá fora”. Jung rotulou esse grupo de extrovertido, pois eles extraem energia de outras pessoas em seu ambiente. Mas uma porcentagem menor de indivíduos enfatiza o mundo interior, em suas respostas subjetivas a eventos externos.

Jung chamou esses indivíduos de introvertidos quando extraem energia de dentro de si. Os extrovertidos se movem em direção ao mundo enquanto os introvertidos instintivamente recuam para si mesmos. Jung percebeu que cada pessoa tem uma predisposição para uma dessas duas abordagens da vida.

As quatro funções

Jung observou que algumas pessoas favorecem os pensamentos a julgar enquanto outras seguem seus sentimentos. Algumas pessoas experimentam o mundo através de seus sentidos, enquanto outras intuem intenções, potenciais e relacionamentos ocultos.

Os tipos pensantes abordam a vida com pouca consideração por suas emoções. Eles organizam as coisas com lógica e ordem. Eles têm códigos firmes do que é certo e errado. Os tipos de sentimentos entendem quanto vale alguma coisa. Comparados às categorias claras de pensamento do pensador, os sentimentos abraçam a desordem. Eles apreciam as infinitas gradações de valor e significado. Os tipos de sensação interpretam com mais precisão as informações através de seus cinco sentidos. Eles são os realistas, aceitando o mundo como ele é. Os tipos de intuição estão mais interessados ​​nas possibilidades futuras do que nas coisas como elas são. Os intuitivos veem semelhanças onde a maioria das pessoas vê diferenças.

Nota: para mais informações, consulte Tipos psicológicos de Jung. Myers e Briggs usaram esses tipos psicológicos, para criar sua própria avaliação de Tipos. Jung, no entanto, não concordou com a aplicação de Myers e Briggs a seus tipos psicológicos.

Função Superior versus Função Inferior

Gostamos de fazer coisas em que somos bons e evitamos fazer coisas em que nos sentimos inadequados. E assim desenvolvemos habilidades específicas, enquanto talentos não desenvolvidos permanecem no inconsciente.

Jung agrupou essas quatro funções em pares: Pensamento e sentimento; Sensação e Intuição. Das quatro funções, Jung descobriu que cada pessoa tem uma função dominante ou superior. A função oposta é a função inferior da pessoa. Essa função inferior permanece principalmente inconsciente para o indivíduo.

Por exemplo, para pessoas que confiam no pensamento para interpretar informações, os sentimentos representam sua função inferior. Para pessoas que confiam em seus sentidos, a intuição é sua função inferior. Lembre-se de que o objetivo do processo de individuação é integrar o inconsciente ao consciente.

Nossa função superior é consciente – conhecemos nossos pontos fortes. Nossa função inferior é inconsciente porque, no decorrer de nosso desenvolvimento, a evitamos.

E assim, a chave da individuação, segundo Jung, está no desenvolvimento de nossa função inferior. Como Campbell escreve em The Portable Jung:

Individuação’ é o termo de Jung para o processo de alcançar tal comando de todas as quatro funções que, mesmo estando vinculado à cruz desta terra limitadora, alguém pode abrir os olhos no centro, para ver, pensar, sentir e intuir a transcendência, e agir com base nesse conhecimento.

Ferramentas para o processo de individuação

Como prosseguimos com nosso desenvolvimento psicológico em direção à individuação? A psicologia Junguiana oferece dois métodos relacionados: trabalho dos sonhos e imaginação ativa.

Trabalho com Sonhos

Jung descobriu que os sonhos são a porta de entrada através da qual o inconsciente se comunica com nossa mente consciente.

Nosso Velho   Sábio Homem ou Mulher (o Self) sabe o que é melhor para nós. Nosso Self, no entanto, não pode se comunicar através da linguagem. Em vez disso, usa símbolos e imagens. O Self não pode se comunicar diretamente com a nossa mente consciente. Em vez disso, de acordo com a psicologia Junguiana, ele nos envia mensagens através dos nossos sonhos. Como diz a analista Junguiana Marie-Louise von Franz em The Way of the Dream, “Sonhos são as cartas do Self que o Self nos escreve todas as noites”. Stevens confirma em Private Myths:

Jung sustentou que um fator crucial que determina como estamos conscientes é se prestamos atenção aos nossos sonhos e o grau em que isso nos permite tornar consciente o que é inconsciente. Ao trabalhar com sonhos, “criamos alma”, “acordamos” para a nossa situação total, “nos tornamos conscientes”, alcançamos “totalidade”.

Imaginação Ativa

Enquanto nos sonhos, nosso ego onírico interage com as partes inconscientes de nossa psique, na imaginação ativa essa interação ocorre enquanto estamos acordados. Em vez de entrar em um sonho, entramos em nossa imaginação, permitindo que as imagens surjam do inconsciente e se comuniquem conosco.

Nota: Se você estiver interessado em prosseguir com o processo de individuação, recomendo o Trabalho interno de Robert Johnson para instruções práticas sobre o trabalho dos sonhos e a imaginação ativa. Veja também meu guia: Como usar arquétipos e imaginação ativa para aumentar a consciência.

Recusando a chamada para individuar

Embora a psicologia Junguiana e o processo de individuação possam nos libertar, não é um “caminho seguro”. Não há segurança depois que deixamos o mundo cotidiano. Além disso, para alcançar o sucesso, precisamos remover todas as nossas falsas identidades que nossos egos investiram na criação.

Fazer isso desencadeia o medo do nosso ego. É por isso que a maioria das pessoas resiste ao chamado à aventura e, segundo Jung, poucas pessoas se individuam (atingem a integridade psíquica). Jung escreve em O Segredo da Flor de Ouro: O caminho não é sem perigo. Tudo de bom é caro, e o desenvolvimento da personalidade é uma das coisas mais caras. Mas, Jung acreditava que isso pode nos levar para fora do corredor dos espelhos e nos devolver ao nosso Self.

Individuação: o caminho para a totalidade

Para Jung e Maslow, o objetivo da vida era perceber o potencial de uma pessoa e tornar-se uma pessoa inteira por si mesma. Para realizar esse propósito, devemos nos reconectar com o Ser divino dentro de nós.

Como escreve o psicólogo Junguiano Edward Edinger em Ego e Arquétipo:

O desenvolvimento psicológico em todas as suas fases é um processo redentor. O objetivo é resgatar pela realização consciente, o Eu oculto, oculto na identificação inconsciente do ego.

Através desse processo de individuação, alcançamos não apenas uma saúde mental positiva, mas também nos tornamos adultos harmoniosos, maduros e responsáveis.

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