Carl Jung e a Sombra: O Poder Oculto de Nosso Lado Escuro

Carl Jung e a Sombra: O Poder Oculto de Nosso Lado Escuro

Por Academy of Ideas

Traduzido por Deborah Jean Worthington, de https://academyofideas.com/2015/12/carl-jung-and-the-shadow-the-hidden-power-of-our-dark-side/

“O que não trazemos à consciência aparece em nossas vidas como destino.” (Carl Jung)

Carl Jung é famoso por formular o conceito de sombra, a porção de nossa personalidade que, ao longo de nossa vida, é relegada à escuridão do inconsciente.

A natureza da sombra

“A sombra tem muitos nomes conhecidos: o eu renegado, o eu inferior, o gêmeo escuro ou irmão na Bíblia e mito, o duplo e reprimido eu, o alter ego, o id. Quando nos deparamos com nosso lado sombrio, usamos metáforas para descrever esses encontros sombrios: conhecer nossos demônios, lutar com o diabo, descer ao submundo, noite escura da alma, crise da meia-idade. ” (Connie Zweig, Encontro com a sombra)

Embora Jung seja conhecido por trazer o conceito de sombra à conscientização do público nos dias modernos, esse aspecto de nós mesmos é reconhecido há muito tempo como uma característica onipresente dos seres humanos. Em 1886, antes de Jung deixar sua marca, Robert Louis Stevenson criou a agora famosa história do Dr. Jekyll e Hyde.

Em sua história, o Dr. Jekyll representa a parte respeitável da personalidade, mas quando ele se transforma em Mr. Hyde, sua personalidade sombria ganha domínio sobre ele e destrói sua vida.

Embora a sombra seja uma parte inata do ser humano, a grande maioria de nós é voluntariamente cega em relação à sua existência. Escondemos nossas qualidades negativas, não apenas dos outros, mas de nós mesmos.

Para fazer isso, frequentemente criticamos e condenamos outras pessoas a garantir que nosso foco não recaia sobre nossas próprias falhas e tendências destrutivas. Vivemos a vida com um falso ar de superioridade moral e com a crença de que, enquanto outros agem de maneira imoral e destrutiva, nós mesmos somos totalmente virtuosos e sempre certos.

Infelizmente, não há dúvida de que o homem é, em geral, menos bom do que imagina ou deseja ser. Todo mundo carrega uma sombra, e quanto menos ela estiver incorporada na vida consciente do indivíduo, mais negra e densa ela é. De qualquer forma, cria um obstáculo inconsciente, frustrando nossas iniciativas mais bem-intencionadas. ” (Carl Jung)

Tornando a sombra consciente

Alguns aspectos da nossa sombra são o produto da nossa evolução. Contemos, como todos os animais, instintos de sexo e agressão que tendemos a reprimir para nos adaptarmos aos costumes sociais.

Alguns aspectos de nossa sombra são o produto de nossa educação. Traços de personalidade e impulsos que suscitaram medo ou ansiedade em nossos pais ou professores, por exemplo, fizeram com que eles nos punissem ou nos criticassem; e assim reagimos reprimindo essas características.

Colocamos defesas psicológicas para garantir que não pudessem se expressar e, portanto, essas características foram reprimidas no inconsciente. Como todos os humanos têm uma sombra, o que nos diferencia dos outros é o grau em que estamos conscientes disso.

Quando nossa sombra permanece inconsciente, destrói a nossa vida. Os conteúdos reprimidos não desaparecem apenas, mas funcionam independentemente de nossa consciência. Em outras palavras, a sombra tem a capacidade de substituir nosso ego consciente e tomar posse de nosso ser, exercendo controle sobre nossos pensamentos, emoções e comportamentos.

Quando isso acontece, podemos ser inconscientemente levados a tempos difíceis, permanecendo o tempo todo ignorantes de que esses períodos conturbados foram auto impostos, e não o produto da má sorte ou do destino.

A regra psicológica diz que, quando uma situação interior não é conscientizada, acontece fora como destino. Ou seja, quando o indivíduo permanece indiviso e não se torna consciente de seu oposto interior, o mundo deve forçosamente encenar o conflito e ser dividido em metades opostas. ” (Carl Jung)

O controle inconsciente que nossa sombra pode exercer sobre nós também explica os comportamentos autodestrutivos com os quais muitas pessoas lutam e são incapazes de controlar, apesar de saberem conscientemente que seria melhor não se envolver em tais ações.

Muitos adictos são movidos por sua sombra, que explica a “guerra” interna que existe dentro deles. Um momento eles dizem a si mesmos que vão abandonar seu vício e viver uma vida limpa, e no momento seguinte sua sombra substitui seu ego consciente e eles buscam com entusiasmo a próxima bebida, “golpe” ou liberação sexual.

Como observa Robert Louis Stevenson em seu livro O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde, o homem não é um, mas verdadeiramente dois; ele tem uma personalidade consciente e uma sombra, cada uma das quais frequentemente luta pela supremacia dentro de sua mente.

“O homem tem que perceber que possui uma sombra que é o lado sombrio de sua própria personalidade; ele está sendo compelido a reconhecer sua “função inferior”, mesmo que apenas pelo fato de estar tão sobrecarregado por ela, com o resultado de que o mundo leve de sua mente consciente e seus valores éticos sucumbam a uma invasão pelo lado sombrio.

Todo o sofrimento causado ao homem por sua experiência do mal inerente à sua própria natureza – todo o imensurável problema do “pecado original” – de fato – ameaça aniquilar o indivíduo em uma confusão de ansiedade e sentimento de culpa. ” (Psicologia Profunda e uma nova ética, Erich Neumann)

Para evitar ser vítima da “possessão das sombras”, devemos nos tornar conscientes de nossas qualidades sombrias e integrá-las à nossa personalidade consciente; aceitá-los de braços abertos, não como aspectos abomináveis ​​do nosso ser, mas como partes necessárias e vitais do nosso ser.

Para esse fim, é útil perceber que a tarefa na vida não é tornar-se perfeita, mas tornar-se completa. E como a totalidade envolve o bem e o mal, a luz e as trevas, a conquista da totalidade no desenvolvimento da personalidade exige que assimilemos nossa sombra em nossa personalidade consciente.

Não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas conscientizando as trevas. O último procedimento, no entanto, é desagradável e, portanto, não é popular. ”

(Carl Jung)

No entanto, como Jung menciona na citação acima, isso é extremamente difícil. A maioria não pode e não admitirá que, no fundo, eles não são seres humanos totalmente virtuosos, altruístas e bons, mas contêm impulsos e capacidades egoístas, destrutivas, amorais e imorais. A maioria prefere enganar-se com um otimismo cego sobre a “bondade” de sua natureza, e é por isso que a maioria permanece como indivíduos fragmentados que ignoram suas profundezas interiores.

O encontro consigo mesmo é, a princípio, o encontro com a própria sombra. A sombra é uma passagem estreita, uma porta estreita, cuja constrição dolorosa ninguém é poupado e desce ao poço profundo. Mas é preciso aprender a se conhecer para saber quem é. ” (Carl Jung)

O poder oculto da sombra

O que é especialmente interessante é a ideia de que a sombra contém não apenas aspectos destrutivos da personalidade, mas também capacidades potentes, criativas e poderosas.

Durante nosso desenvolvimento, certos traços e impulsos foram condenados por nossa família, colegas e educadores, não por falta de cuidado, mas por inveja, medo, ignorância ou ciúme. Nossa propensão a cumprir as expectativas sociais também nos levou a reprimir talentos, habilidades inatas e impulsos que, se cultivados e desenvolvidos, tinham o potencial de nos tornar seres mais eficazes no mundo.

Por exemplo, hoje em dia está se tornando mais prevalente para os psicólogos diagnosticar indivíduos que questionam a autoridade e mostram sinais de extrema autoconfiança como patológicos, sofrendo de uma condição que chamam de “antiautoritária” (veja um artigo de Bruce Levine aqui).

Indivíduos que são autossuficientes demais em nossa sociedade cada vez mais coletiva e dependente são vistos por muitos como uma ameaça. São lobos solitários em meio a um rebanho de ovelhas, e são atacados e ridicularizados pelo rebanho por causa disso.

Este é apenas um exemplo de muitos sobre como nossa socialização na sociedade moderna prejudica nosso desenvolvimento. O ponto principal é que, com nossas energias mais elevadas presas, rotuladas por outros e nosso ego consciente como negativo e ruim, nosso crescimento pode ficar bloqueado e a vida, um terreno baldio.

Pelo bem de nosso desenvolvimento pessoal, devemos, portanto, tornar-nos mais conscientes de nossa sombra e abrir nossa mente para a possibilidade de que talvez não sejamos tão amigáveis, justos e morais quanto pensamos. Devemos considerar que talvez haja aspectos inconscientes de nós mesmos dirigindo nosso comportamento “nos bastidores”. Devemos olhar para as nossas profundezas e perceber que nosso ego consciente nem sempre está no controle, mas geralmente é dominado pelo poder de nossa sombra.

Uma vez que nos tornamos mais conscientes desses aspectos sombrios de nós mesmos, devemos honrá-los e encontrar uma maneira de integrá-los à nossa vida. Ao não fazer isso, a pessoa se tornará fraca e dispersa. Não se pode servir a dois impulsos internos sem dissipar suas forças e energias. A sombra deve se tornar parte da personalidade consciente de alguém.

Existe uma “técnica” para integrar a sombra?

Geralmente não existe uma técnica eficaz para assimilar a sombra.

É mais como diplomacia ou estadista e é sempre uma questão individual.

Primeiro, é preciso aceitar e levar a sério a existência da sombra.

Segundo, é preciso tomar consciência de suas qualidades e intenções. Isso acontece através da atenção consciente aos humores, fantasias e impulsos.

Terceiro, um longo processo de negociação é inevitável. ”  (Carl Jung)

Como Jung observa na passagem acima, não há técnica geral para integrar a sombra. Nossa sombra é única e, para integrá-la, precisamos adotar nossa própria abordagem. Independentemente da abordagem adotada, para integrar adequadamente nossa sombra, é necessário comportar-se de maneira contrária aos costumes da sociedade e à nossa própria bússola moral consciente.

A maioria de nossas qualidades de sombra, afinal, foi reprimida em nosso inconsciente porque acreditávamos que eram inaceitáveis, socialmente ou de acordo com nossa família ou colegas.

Uma técnica comum na integração das sombras é encontrar uma saída saudável, produtiva ou, no mínimo, controlada para agressão reprimida ou impulsos sexuais.

Outra é ignorar os costumes que consideramos superficiais ou inúteis, mas que antes eram conformes a fim de nos encaixar. Outro é perseguir uma paixão, apesar de todos os que o rodeiam pressionando você de outra maneira.

Essas táticas podem ajudar-nos a nos separar das expectativas e dos “olhos conformadores” dos outros, e nos permitem olhar para dentro, sem julgamento ou condenação, para descobrir quem e o que realmente somos.

Se conseguirmos encontrar uma maneira de negociar com a nossa sombra e permitir que ela “viva” em nossa personalidade consciente, em vez de reprimi-la, não apenas obteremos um senso de identidade mais seguro, mas também mais conhecimento sobre o que realmente somos e o que se quer na vida.

Seremos mais capazes de ignorar o que os outros pensam que deveríamos estar fazendo, mais capazes de nos desviar das massas e, portanto, mais preparados para iniciar um caminho para cumprir nosso próprio destino pessoal.

A sombra, como Jung mencionou, é a porta de entrada para o nosso Ser. Muitos não ousam mergulhar em suas profundezas, mas é exatamente isso que devemos fazer se quisermos nos tornar quem realmente somos.

A sombra, quando, reconhecida e trabalhada é a fonte de renovação; o impulso novo e produtivo não pode vir de valores estabelecidos do ego. Quando existe um impasse e um tempo estéril em nossas vidas – apesar de um desenvolvimento adequado do ego -, devemos olhar para o lado sombrio, até então inaceitável, que está à nossa disposição consciente …

Isso nos leva ao fato fundamental de que a sombra é a porta para a nossa individualidade. Na medida em que a sombra se torna nossa primeira visão da parte inconsciente de nossa personalidade, ela representa o primeiro estágio para encontrar o Self.

De fato, não há acesso ao inconsciente e à nossa própria realidade, a não ser através da sombra. Somente quando percebemos que parte de nós mesmos que até agora não vimos ou que preferimos não ver é que podemos proceder à pergunta e encontrar as fontes de onde se alimentam e a base sobre a qual repousa.

Portanto, nenhum progresso ou crescimento é possível até que a sombra seja adequadamente confrontada e o confronto signifique mais do que apenas conhecê-la. Não é até que tenhamos realmente ficado chocados ao nos ver como realmente somos, em vez de como desejamos ou esperamos supor que somos, que podemos dar o primeiro passo em direção à realidade individual. ” (Connie Zweig, Meet the Shadow)

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